domingo, 30 de janeiro de 2022

Workaholic — conto de Gabriel Sanchez

Mais meia hora e acabou. Pensei em uma típica sexta-feira. O pensamento de apenas mais um trabalhador de classe baixa a média.

Eu me preparei para sair. O mesmo para as pessoas que trabalham comigo em uma mesa grande. O tão esperado fim de semana. Está lá todas as semanas, mas sempre ansiamos por ele.

Tempo suficiente para mal respirar o ar que chamamos de puro. As reuniões foram uma loucura naquela segunda-feira. Fechei minha agenda de propósito para evitar mais reuniões. O desempenho depende da pró-atividade.

Mais um fim de semana. E outro. E mais um. Acabei notando algo errado quando vi meus dedos enquanto digitava no meu escritório. Uma marca do que parecia ser um anel. Um anel de casamento?

O casamento parecia distante para mim. Como eu poderia ter tempo para o casamento com tanto trabalho? Um CEO precisa de foco. Reunião agora; penso nisso mais tarde.

Eu nem vi minha vida passar. O trabalho tomou conta de mim, nem vi meu casamento desmoronar; na verdade, nem vi meu casamento. Houve um casamento?

Tentei olhar para fora. Ah, bem, não existe “fora”, apenas uma janela falsa com uma bela foto para evitar distrações.

– Remarque todas as reuniões para segunda-feira. Está tudo bem, sim, não se preocupe.

Vou tentar me cuidar mais. Saí do prédio.

Reorganizar as reuniões de sexta-feira pareceu idiota quando vi a agenda de hoje, mas pelo menos aproveitei o fim de semana. Eu realmente não me lembro. Não me lembro muito fora do trabalho. Não me lembro de nada além do trabalho.

Tentei manter a calma enquanto caminhava para a saída. Eu vi algumas pessoas olhando.

Terça-feira estava me matando. Sair cedo ontem acumulou muitas coisas. Espera. Eu saí ontem e o que eu fiz? Desesperado, corri para a saída. Todos me olharam de pé.

O porteiro estava sorrindo. Um sorriso estranho.

– Saindo cedo de novo, senhor? – ele disse, – você parece estar procurando por algo.

Ele não abriu a porta principal. Ordenei-lhe que abrisse o portão. Seu sorriso torto me assustou.

– Sua vida está aqui.

A realidade me levou como um porrete na cabeça. Memórias distorcidas de uma vida desperdiçada me dedicando ao trabalho. Os contatos que acumulei à medida que subi na empresa e as pessoas que sumiram porque eu estava sempre indisponível. Minha esposa, minha filha, meus verdadeiros amigos.

Minha morte por ataque cardíaco. Na minha cadeira de escritório, é claro. Um destino inevitável para alguém cujo estresse era uma constante.

Eu estava morto. Eu morri de tanto trabalhar.

O medo absoluto me dominou com a última linha que me lembro do porteiro. – Nada mais justo do que a eternidade no ambiente que você mais ama, senhor.


(...)


Mais meia hora e acabou. Pensei em uma típica sexta-feira. Mais meia hora para eu curtir um merecido fim de semana para um trabalhador de classe baixa e média. O dia voou.

Mas o porteiro estava estranho hoje.

– Bem-vindo mais uma vez – disse ele com um sorriso sombrio.

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