Mark recostou-se em sua cadeira presidencial em seu escritório, e lançou um olhar para a geladeira, pensando em atacá-la, mas o cheiro que sentiu da cozinha dizia que ele deveria esperar apenas mais um pouco. A cadeira presidencial era um luxo que Mark se concedeu; inflava seu ego e desinflava as dores lombares.
— Jane, ‘mor, o almoço tá saindo? — disse Mark.
— Só mais um pouco. — O que confirmava o que Mark supusera. Mark sentia que trabalhava com mais eficiência quando Jane ficava em casa por alguma folga. A multinacional a qual Jane prestava serviços trazia malefícios como as horas extras inesperadas e benefícios com as folgas para compensação.
— Eu lavo a louça, mor, — disse Mark.
— Nah, de boa.
— Tira uma soneca; você preparou o almoço…
— Já disse que de boa, caralho, puta que pariu! — Jane tossiu logo em seguida. Por um instante, Mark arregalou os olhos; teve certeza que, numa fração de segundos, a voz dela soou sinistra, como se uma voz mais grossa, quase inaudível, estivesse sobreposta à voz comum de Jane; mas ignorou.
Quando Mark observou o tom alaranjado da luz que adentrava seu escritório, notou que mergulhara em seus projetos por tempo suficiente. Espreguiçou-se na cadeira, o que passou a sensação de choque por sua lombar. Mark passava tempo demais sentado. Levantou-se e caminhou até a sala.
Mark e Jean resolveram assistir séries deitados no quarto. O quarto propiciava a possibilidade de apenas cederem ao peso das pálpebras se preciso; e também a desculpa para brincadeiras mais sérias. Eles estavam tão distraídos que se entreolharam confusos quando ouviram um barulho metálico vindo da cozinha. O som da porta se fechando confirmou suas suspeitas.
— Que porra é essa… — A tensão inesperada enfraqueceu sua laringe, e Mark percebeu que sua voz saiu duvidosa. Seus pelos se ouriçaram pela adrenalina; Mark receou, mas caminhou até a porta do quarto para ouvir melhor.
— Mor, cheguei! Hoje tava foda; mais um daqueles dias. Mor? — a pessoa disse da cozinha. Uma voz familiar: a voz de Jean.
Mark tentou responder, mas a voz falhou. A confusão era tanta que ficou imóvel por um tempo; não mais que alguns segundos. Então, ouviu um chiado leve e rouco atrás de si; não, era uma risada. Sentiu uma dor como uma punção em seu braço direito pelo choque. E foi o máximo que a mente sã de Mark pôde registrar. Uma dor lancinante o atingiu por um segundo, e Mark começou a babar com os olhos arregalados. Seu corpo perdeu funções básicas, e outras funções se desregularam. Antes de ceder à escuridão, Mark ouviu os gritos de Jean vindos da cozinha.